REVOLUÇÃO DOS BICHOS !
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A REVOLUÇÃO DOS BICHOS - GEORGE ORWEL
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS - GEORGE ORWEL
“Lembro-vos
também de que na luta contra o Homem não devemos ser como ele. Mesmo quando o
tenhais derrotado, evitai-lhe os vícios. Animal nenhum deve morar em casas, nem
dormir em camas, nem usar roupas, nem beber álcool, nem fumar, nem tocar em
dinheiro, nem comerciar. Todos os hábitos do Homem são maus. E, principalmente,
jamais um animal deverá tiranizar outros animais. Fortes ou fracos, espertos ou
simplórios, somos todos irmãos. Todos os animais são iguais.”George Orwell
O início de uma fábula
contemporânea. O dono da Granja do Solar, Sr. Jones, embriagado com o poder,
tranca o galinheiro e vai para a cama cambaleando.
Major, porco ancião e premiado, reúne
todos os animais e conta seu sonho visionário de como será o mundo depois que o
homem desaparecer. Declara em tom profético a necessidade dos bichos assumirem
suas vidas, acabando com a tirania dos homens.
Os animais são contagiados pelos
versos revolucionários e entoam apaixonadamente a canção "Bichos da
Inglaterra". Sr. Jones acorda alarmado com a possível presença de uma
raposa e, com uma carga de chumbo disparada na escuridão, encerra a cantoria. Major
falece três noites após. A morte emoldura o mito e suas palavras ganham
destaque nas falas dos animais mais inteligentes da granja. Os bichos mais
conservadores insistem no dever de lealdade ou no medo do incerto: “Seu Jones
nos alimenta. Se ele for embora, morreríamos de fome”.
Os perfis dos animais são
traçados: os porcos, as ovelhas, os cavalos, as vacas, as galinhas, o burro...
Todos com traços marcantes de manipulação, alienação, rigidez, ignorância,
dispersão, teimosia... A rebelião ocorre mais cedo do que esperavam. Com a
expulsão do Sr. Jones da granja, surge o momento de reorganizar o funcionamento
da propriedade. Os porcos assumem a liderança, dirigem e supervisionam o
trabalho dos outros. Os demais dão continuidade à colheita. Alguns bichos se
destacam pela obstinação, como o cavalo Sansão, cujo lema é “Trabalharei mais
ainda.” Os sete mandamentos declarados por
Major são escritos na parede:
“Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
O que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
Nenhum animal usará roupa.
Nenhum animal dormirá em cama.
Nenhum animal beberá álcool.
Nenhum animal matará outro animal.
Todos os animais são iguais.”
Bola-de-neve e Napoleão se
destacam na elaboração das resoluções. Sempre com posições contrárias. Os
demais animais aprenderam a votar, mas não conseguem formular propostas. A
pluralidade de pensamentos dá margem aos debates e às escolhas. Os sete
mandamentos elaborados na revolução são condensados no lema “Quatro pernas bom,
duas pernas ruim”. A síntese do “animalismo” é repetida pelas ovelhas no pasto
por horas a fio.
Sr. Jones tenta recuperar a
propriedade, mas é vencido pelos bichos na “Batalha do Estábulo”. O porco
Bola-de-neve e o cavalo Sansão são condecorados pela bravura demonstrada no
conflito. Mimosa foge para uma propriedade vizinha seduzida pelos mimos
oferecidos por um humano. Surge a idéia de construção de um moinho de vento...
Os animais ficam divididos com a perspectiva do novo.
Bola-de-neve e Napoleão sobem ao palanque e montam suas campanhas políticas. A
eloqüência de Bola-de-neve conquista os animais, mas a força dos cães de
Napoleão expulsa Bola-de-neve da granja e “legitima” Napoleão no cargo de líder
diante dos atemorizados bichos. Os
bichos trabalham como escravos na construção do moinho de vento e gradativamente
vão perdendo a memória de como era a vida na época do Sr. Jones. Animais
trabalhadores, como Sansão, acordam mais cedo, trabalham nas horas de folga e
assumem as máximas elaboradas pelos donos do poder: “trabalharei mais ainda” e
“Napoleão tem sempre razão”.
Como a maioria dos animais não
aprendeu a ler, os mandamentos vão sendo alterados na medida em que Napoleão e
seus assessores vãos assumindo posições contrárias aos princípios que nortearam
a revolução: os porcos começam a comerciar a produção da granja, passam a
residir na casa do Sr. Jones, dormem em camas, usam roupas, bebem uísque,
relacionam-se com homens... A maioria dos animais é facilmente convencida dos
seus “equívocos de interpretação”. Os poucos que conseguem ler e interpretar as
adulterações do poder se omitem...
Alguns animais são executados sob a alegação de alta traição. Tudo o que ocorre
de errado na granja é de “responsabilidade” de Bola-de-neve. Sua história é
enterrada na lama de mentiras e manipulação imposta pelo novo regime. As
reuniões de domingo são proibidas e a canção “Bichos da Inglaterra” é
censurada. Os bichos trabalham mais e não são reconhecidos por seus esforços.
Todas as condecorações são dadas ao líder.
Os animais passam privações.
Suas rações são diminuídas em prol do bem comum. Os porcos são agraciados com
os privilégios do poder. Uma segunda batalha com os humanos surpreende os
animais enfraquecidos, mas, apesar das muitas perdas, eles vencem e permanecem
sob a ditadura imposta por Napoleão. Infelizmente perderam os parâmetros para
avaliação, perderam a memória da história antes do governo de Napoleão. Os
homens destroem o moinho de vento e os animais trabalham mais para
reconstruí-lo. A dedicação do cavalo Sansão é assustadora, abdica da própria saúde
em prol do ideal. Depois de alguns dias é vencido pela fragilidade da avançada
idade e do pulmão debilitado... Os porcos simulam uma internação num grande
hospital, mas entregam o velho cavalo ao matadouro. Os direitos do trabalhador
e do aposentado se encerram na indiferença dos poderosos. O burro Benjamim que aprendeu a ler, apesar
de ter preferido o silêncio durante todo o período, tenta alertar os demais
animais, mas é tarde... O porco Garganta convence os bichos de que a carroça
que levou o cavalo foi comprada pelo grande veterinário, mas continuou com os
letreiros do velho dono... Poucos dias depois, o anúncio da morte de Sansão
chega à granja e os porcos recebem uma caixa de uísque...
Os animais escravizados ganham
alento nas palavras do corvo Moisés que garante que, finda esta vida de
sofrimentos, haverá a “Montanha de Açúcar – Cande”, “o lugar feliz onde nós,
pobres animais, descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho”.
As atitudes dos porcos com Moisés são ambíguas: afirmam, aos bichos, que
a história de Moisés é uma grande mentira, porém ele permanece na granja sem
trabalhar e ainda com direito a um copo de cerveja por dia. A religião
arrebanha algumas “ovelhas”. “Passaram-se anos. As estações vinham, passavam, e
a curta vida dos bichos se consumia.” A nova geração só conhecia esta
realidade, exceto Quitéria, Benjamim, o corvo Moisés e alguns porcos... A vida
era muito difícil, mas existia a certeza de que todos os animais eram iguais...
Não tardou para os bichos espantados presenciarem os porcos andando sobre duas
patas com chicotes nas mãos.
Só restava um único mandamento e
mesmo assim adulterado: “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são
mais iguais que outros”. Depois disto nada mais se estranhava. Os porcos
fumavam, bebiam e andavam vestidos – haviam se assenhorado dos hábitos do Sr.
Jones. Uma noite, os porcos receberam os vizinhos humanos para uma reunião na
casa. Os demais animais ficaram à espreita na janela da sala de estar. Seguiram-se pronunciamentos, declarações de
mútuo afeto e admiração por parte dos porcos e dos homens. Os vizinhos humanos
parabenizaram os porcos pelos métodos modernos de ordem e disciplina impostos:
"... os animais inferiores da Granja dos Bichos trabalhavam mais e recebiam
menos comida do que quaisquer outros animais do condado."
Todos os alicerces da revolução
estavam corrompidos nas palavras de Napoleão. Até mesmo a granja voltaria a ter
o mesmo nome da época do Sr. Jones: “Granja do Solar”. Os animais estupefatos
se afastaram, mas não alcançaram vinte metros quando iniciou uma violenta
discussão entre Napoleão e o vizinho humano motivada por uma jogada no
carteado...
“As criaturas de fora olhavam de um
porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem
outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco.” A
metáfora da janela é fundamental para a abertura da percepção da realidade. Os
ditadores podem estar revestidos em qualquer corpo se conservarem as máscaras capazes
de adulterar a memória histórica dos governantes, tornando-os marionetes manipuladas
com o medo e a omissão. O que fazer com a última mensagem do livro, qual seja,
a impossibilidade de distinguir quem era porco e quem era homem? Pensar que
qualquer bicho fará o mesmo quando investido de poder ou refletir sobre as
atitudes e omissões de quem legitima o poder com o trabalho diário e a aceitação
do crescente empobrecimento“.A revolução dos bichos” é um texto que, a
princípio, parece visionário, mas, em poucos capítulos, identificamos os
acontecimentos históricos na sátira elaborada pelo grande escritor. George
Orwell conseguiu interpretar a realidade com lucidez e quis alardear suas
percepções sobre os movimentos sociais, o poder e os indivíduos.
A revolução russa. Major (Lenin); Napoleão
(Stalin); Bola-de-neve (Trotsky); as ovelhas, que repetem sem consciência os
lemas; os cavalos com seus tapa-olhos que só conseguem olhar para o trabalho;
as galinhas que se perdem na dispersão; o burro empacado em suas verdades; os
cães fiéis à guarda de seus donos... Todos personagens históricos, escravos da
própria revolução, prisioneiros dos sonhos depauperados... Como alterar a história? Tornar-se sujeito
ativo de transformação? Reescrever os velhos mandamentos e ensaiar uma
precipitada revolução ou elaborar uma nova análise das conjunturas a fim de
reavaliar nossos princípios? A revolução dos bichos se repete na história.
Novos personagens assumem os papéis dos protagonistas e o enredo continua...
Alguns preferem a silenciosa leitura dos fatos, outros desejam escrever novos
capítulos...
É,
caro leitor, precisamos de engajamento, de comprometimento com os mandamentos
que norteiam nossas ações e de coragem para espreitar a realidade com olhos de
transformação sem apagar a memória de nossas conquistas históricas. George Orwell, escritor, jornalista e
militante político, participou da Guerra Civil Espanhola na milícia
marxista/trotskista e foi perseguido junto aos anarquistas e outros comunistas
pelos stalinistas. Desencantado com o governo de Stalin, escreveu “A Revolução
dos Bichos” em 1944. Nenhum editor aceitou publicar a sátira política, pois, na
época, Stalin era aliado da Inglaterra e dos Estados Unidos. Só após o término
da guerra, em 1945, é que o livro foi publicado e se tornou um sucesso
editorial.
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